O pagamento de auxílios e penduricalhos acima do teto remuneratório do funcionalismo público, atualmente previsto em R$ 44 mil, custou aos cofres públicos ao menos R$ 20 bilhões entre 2018 e 2024. É o que mostra o estudo desenvolvido pela instituição República.org no Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público.
Os dados foram obtidos a partir do painel Dados JusBR, da Transparência Brasil. O levantamento considerou os ganhos de servidores da ativa, inativos e pensionistas, incluindo juízes, desembargadores e procuradores, que figuram entre as principais carreiras com remunerações acima do teto, formando uma elite do funcionalismo público.
Outro indicador do estudo mostra que o percentual de servidores do Judiciário e Ministério Público que receberam pelo menos um mês de supersalário ao ano cresceu de 83%, em 2018, para 92% neste ano.
Esses ganhos acima do permitido por lei são puxados pelas verbas indenizatórias, também conhecidas como penduricalhos, que consistem em benefícios reconhecidos por lei ou por atos normativos que não incidem no teto por não se enquadrarem como remuneração. O chamado teto constitucional estabelece que a remuneração máxima não pode ultrapassar o que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
“São benefícios que acabam se transformando em privilégios quando você compara com outros servidores”, explicou a cientista política Vanessa Campagnac, que integra o grupo de autores do levantamento.
“Essas são exceções do serviço público. A grande massa de servidores públicos ganha muito menos, não têm esses benefícios, nunca vão extrapolar o teto e são aqueles geralmente que estão trabalhando nos municípios”, disse. “O perfil típico no serviço público brasileiro são mulheres negras trabalhando nos municípios, que estão muito longe dessa pequena parcela que ganha muito. Uma exceção da exceção que onera”, completou.
De acordo com o estudo da República.org, 62% do valor extrateto vem de rubricas consideradas indenizatórias pelo projeto de lei dos supersalários, que tramita no Senado. Esses ganhos extras são geralmente obtidos a partir de demandas de associações e grupos organizados ao judiciário e aos órgãos de controle das carreiras.
Um exemplo desses benefícios é a chamada licença-compensatória, que é uma espécie de gratificação por acúmulo de função. Entre janeiro de 2024 e julho de 2024, o valor pago por esse benefício cresceu 400%, saltando de um valor próximo de R$ 100 milhões para mais de R$ 300 milhões. Campagnac afirma que o crescimento dos gastos com esse tipo de auxílio está relacionado à profusão de novos penduricalhos.
A análise desenvolvida pela organização não governamental (ONG) República.org no estudo é de que o projeto dos supersalários, nos moldes em que é discutido atualmente, regulamenta essas rubricas e autoriza o seu caráter extrateto ao invés de limitá-lo. Os pesquisadores avaliam que o texto da lei precisa diminuir consideravelmente a quantidade de verbas indenizatórias e o limite desses benefícios para que o teto remuneratório seja, de fato, efetivo.
O ex-deputado federal Rubens Bueno, que relatou o projeto dos supersalários na Câmara, afirma que os R$ 20 bilhões gastos nos últimos seis anos com verbas acima do teto são “privilégios e abusos continuados ao longo dos anos e a olhos vistos das maiores autoridades do País”.
Bueno, por outro lado, avalia que o projeto em discussão no Senado corrige esses problemas. Para ele, excluir as exceções incluídas no texto, que regulamentam algumas rubricas, “geraria injustiças de toda sorte”. O ex-deputado argumenta que o ponto forte da medida é identificar de maneira clara os pagamentos acima do limite.
“Sobrarão dois caminhos para os que pretenderem implantar nova verba remuneratória excluída do limite e não contemplada na futura lei: convencer os legisladores de que a medida é justa, com a consequente alteração do texto em questão, ou cometer crime e responder por seu cometimento”, afirmo
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